OS MEUS DIAS ESTÃO RESERVADOS A COISAS QUE NUNCA ACONTECEM

Quando impedidos de fazer a nossa vida normal, e forçadamente estarmos confinados em nossas casas, o processo criativo leva um abanão tremendo. Se por um lado desejávamos todo o tempo do mundo, por outro este tempo parece ser uma barreira enorme, um peso no corpo que teimamos em arrastar pela casa. Durante 40 dias, a vida pausou, e o tempo que os usámos foi na maioria das vezes perdido.

Em momentos em que devia enaltecer, borbulhar ou fervilhar criatividade, os músculos pareciam não responder. Imóveis, arrastados lentamente por entre uns metros quadrados, paredes, janela, varanda, e um corredor que parecia ter 10 vezes mais do que os seus reais onze metros. Lá fora, apenas o tempo meteorológico, e o movimento natural do relógio biológico ditava o passar do tempo. Por momentos pensamos, o que podemos fazer hoje? E como estaria este tempo a passar ou a ser passado. Um minuto de silêncio parece muito pouco para homenagear uma pessoa mas são os 60 segundos mais longos que experênciamos. 40 dias parece ser uma eternidade, mas em muitos casos tornou-se pouco tempo.

Não pretendendo ser uma criação artística autobiográfica nem documental, é um objeto artístico feito de momentos que foram vividos pela maioria de nós. Agregando a vivência doméstica, encerrada, obrigatória, com a não vivência social, livre, aberta. Lá fora, incertezas, medo, silêncio, um silêncio mórbido, muitas vezes para o lá de assustador, uma imensidão de perguntas, uma vastidão questões. Era vivido dia a dia, hora a hora, minuto a minuto. ‘Os meus dias estão reservados a coisas que nunca acontecem’ é um ensaio social e visual sobre o ‘e se’, e se não tivesse havido pandemia, e se não tivesse havido confinamentos, estado de emergência, quarentenas, isolamento, e se tivéssemos continuado a vida sem esse fator persistente assustador de um vírus desconhecido? Um ensaio visual videográfico onde são explorados quarentas um minuto, que mostram vivências domésticas, da simplicidade de um banho de imersão, a pilha de louça por lavar, o fumegar da casa, a roupa estendida, vizinhos, chuva, o sol, as nuvens, o pôr-do-sol, o sino da igreja, o amolador a passar numa rua deserta. Quantas vezes aqueles minutos pareceram anos. Como sentimos o tempo quando a vida se altera? Sentimos mais o seu peso, ou a sua leviandade? Sentimos a sua velocidade ou lentidão? E agora ao passarmos e olharmos para trás, como sentimos o tempo?

instalação video – ensaio videográfico
44’
filmado em 2020 durante o estado de emergência em portugal